1. AS MENINAS BRASILEIRAS
Quantas são?
Em 2019, havia 28,069 milhões de mulheres com idade até 19 anos no Brasil. Essa população era 4,3% menor que a população masculina dessa faixa etária. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continuada (PNADC) apontam que a participação das faixas etárias era crescente, indicando a redução contínua da natalidade. Assim, do total de 28,069 milhões de mulheres, 22,6% tinham até 4 anos de idade, 24,2% entre 5 e 9 anos de idade, 25,2% entre 10 e 14 anos e 27,9% entre 15 e 19 anos de idade (Gráfico 1).
Onde moram?
A maior parte das meninas brasileiras (84,1% do total) morava nas áreas urbanas, numa proporção menor do que a da população total do país, que era de 86,1% em 2019. As regiões metropolitanas concentraram uma população de 10,946 milhões de meninas, o que representou 39% do total de mulheres nessas faixas etárias.
As capitais reuniram a população de 6,082 milhões de meninas, ou 21,7% do total.
As regiões Sudeste e Nordeste concentram as maiores populações de meninas, com participações de respectivamente 38,6 e 29,5% do total. O Mapa 1 traz a população por região e unidade da federação. São Paulo, Minas Gerais, Bahia e Rio de Janeiro concentram as maiores participações individuais.
A maior parte das meninas brasileiras participava das famílias mais pobres do país. No primeiro quintil da distribuição da renda per capita familiar, ou seja, no grupo que reunia os 20% mais pobres das famílias brasileiras, estavam 9,185 milhões de meninas, o que representou 32,7% do total de mulheres com idade até 19 anos. Essa participação era menor nas classes de renda mais elevadas. No quinto quintil, ou seja, no grupo que reúne os 20% mais ricos, havia apenas 3,081 milhões de meninas (11% do total). O Gráfico 2 mostra essa distribuição. Vale observar que esse fenômeno se repede na população masculina com idade até 19 anos, o que mostra que a pobreza afeta os jovens brasileiros numa proporção maior do que no resto da população.
Meninas e pobreza
Gráfico 1.
Distribuição da população de meninas por faixa etária, 2019
Mapa 1.
Distribuição regional da população de meninas, 2019
Gráfica 2.
População de meninas por quintil da distribuição de renda, 2019
2. SITUAÇÃO DO SANEAMENTO
Acesso à água tratada
Conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continuada (PNADC), 82,6% dos 28,069 milhões de mulheres brasileiras com idade até 19 anos recebiam água tratada em sua residência em 2019.
Essa proporção era maior nas regiões Sudeste e Sul, onde 91,4 e 88,1% das populações de meninas tinham acesso ao abastecimento de água tratada naquele ano (Mapa 2). Assim, o déficit de acesso à água tratada era proporcionalmente maior nas regiões Norte e Nordeste, onde respectivamente 42,4 e 23,4% das meninas não recebiam água tratada em sua residência.
No país como um todo, havia 4,881 milhões de meninas sem acesso à água tratada.
Acesso à rede de coleta de esgoto
A PNADC de 2019 mostra uma situação pior com relação ao acesso ao sistema de coleta de esgoto das residências. No Brasil, apenas 55,8% das mulheres com idade até 19 anos tinham coleta de esgoto por rede geral em suas residências em 2019.
Isso indica que, no país como um todo, havia 12,397 milhões de meninas sem acesso ao sistema de esgotamento sanitário.
A proporção de meninas com acesso ao sistema era maior na Região Sudeste, onde 84% da população de meninas tinha acesso ao sistema de coleta de esgoto naquele ano (Mapa 3). O déficit de acesso ao sistema de coleta era proporcionalmente maior nas regiões Norte e Nordeste, onde respectivamente 83,1 e 65,1% das meninas moravam em residências sem coleta de esgoto. Vale destacar que nas regiões Sul e Centro-Oeste, os déficits relativos de esgotamento sanitário também eram grandes: 45,8 e 47,8% das populações, respectivamente.
Disponibilidade de banheiro
Segundo os dados da PNADC, em 2019 havia mais de 1 milhão de meninas morando em residências sem banheiro de uso exclusivo, o que representava 3,9% do total de população de mulheres com idade até 19 anos. Isso constitui um enorme problema, que se soma à falta de acesso à agua tratada e à coleta de esgoto e tem enormes implicações sobre as condições materiais para o exercício da higiene pessoal, particularmente importante no período menstrual.
Destaque-se que o problema da falta de banheiro está fortemente concentrado nas meninas que pertencem às famílias mais pobres do país: 915 mil, do 1,082 milhão de meninas, estavam no primeiro quintil da distribuição familiar de renda per capita (Gráfico 3).
Mapa 2.
Parcela da população de meninas com acesso à água tratada, 2019
Mapa 3.
Parcela da população de meninas com acesso à coleta de esgoto, 2019
Gráfico 3. População de meninas sem banheiro na residência, por quintil da distribuição de renda, 2019
3. A SAÚDE DAS MENINAS
Doenças de veiculação hídrica
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada pelo IBGE, traz informações sobre a ocorrência de afastamentos de atividades rotineiras em razão de doenças de veiculação hídrica – diarreias, vômitos e doenças transmitidas por mosquitos. Em 2019, houve 8,643 milhões de afastamentos de mulheres com idade até 19 anos, os quais representaram quase 1/3 do total e afastamentos de mulheres em razão dessas doenças.
Como ilustra o Gráfico 4.a, a incidência desses casos foi maior entre as meninas mais jovens (379,3 casos a cada 1.000 meninas). Em termos regionais, as taxas de incidência foram mais elevadas nas regiões Sudeste e Centro-Oeste, como aponta o Mapa 4.a.
O estudo intitulado “O saneamento e a vida da mulher brasileira”, de 2022, indicou que a ocorrência dessas doenças está associada à falta de acesso ao saneamento.
Doenças respiratórias
A PNS de 2019 traz informações sobre a ocorrência de afastamentos de atividades rotineiras em razão de doenças respiratórias, grupo de problemas de saúde composto de gripes e pneumonias.
Como indicam os dados, esses problemas afetaram as meninas de forma ainda mais impactante. Em 2019, houve 23,954 milhões de afastamentos de mulheres com idade até 19 anos, os quais representaram 43,4% do total e afastamentos de mulheres em razão dessas doenças. Como ilustra o Gráfico 4.b, a incidência desses casos foi muito maior entre as meninas mais jovens. Em termos regionais, as taxas de incidência foram mais elevadas nas regiões Sudeste, Norte e Nordeste (Mapa 4.b).
O estudo “O saneamento e a vida da mulher brasileira” concluiu que a ocorrência dessas doenças também está correlacionada à falta de acesso ao saneamento.
Doenças ginecológicas
Em 2019, segundo dados da PNS, 241.051 mulheres indicaram ter se afastado de suas atividades rotineiras por doenças ginecológicas. Com base nesses dados, estima-se que houve 6,267 milhões de casos de afastamento por doenças ginecológicas ao longo de 2019. Em 2019, houve 92,8 afastamentos por doenças ginecológicas a cada mil mulheres entre 12 e 55 anos de idade no país.
A incidência entre as meninas com idade entre 12 e 19 anos de idade também foi elevada, de 73,5 casos a cada jovem nessa faixa etária. O acesso ao saneamento está associado à incidência das doenças ginecológicas na população feminina brasileira. O problema é mais grave nas classes baixas (Gráficos 5.a e 5.b) e nas residências sem banheiro de uso exclusivo.
Gráfico 4. Incidência de doenças na população de meninas, em casos por mil habitantes, 2019
(a) Doenças de veiculação hídrica
(b) Doenças respiratórias
Mapa 4. Incidência de doenças na população de meninas,
em casos por mil habitantes, 2019
(a) Doenças de veiculação hídrica
(b) Doenças respiratórias
Gráfico 5. Incidência de doenças ginecológicas na população de meninas, em casos e casos por mil habitantes, 2019
(a) Casos
(b) Casos por mil habitantes
4. DEDICAÇÃO AO ESTUDO
As estudantes brasileiras
Em 2019, segundo dados da PNADC, havia 25,344 milhões de mulheres frequentando cursos regulares. Isso significa dizer que uma em cada quatro mulheres estava estudando nesse ano.
Desse total, as meninas e jovens com idade até 19 anos representavam 76,1%. O total de meninas matriculadas representava 88,8% da população nessa faixa etária, indicando uma taxa de matrícula ligeiramente maior que a da população masculina.
A maior parte das meninas (67,8%) estava matriculada no ensino fundamental ou equivalente (Gráfico 6). Além dessas, 20,9% das meninas estavam matriculadas no ensino médio e 7,4% na pré-escola. Apenas 4% das meninas já estavam matriculadas no ensino superior.
Atraso escolar
As estatísticas da PNAD indicaram que o atraso escolar das meninas brasileiras era de 2,43 anos. Esse número indica a diferença entre a escolaridade obtida pelas meninas e aquela que elas poderiam alcançar se tivessem ingressado na pré-escola com a idade adequada e tivessem progredido no ensino sem intercorrências (repetência ou abandono).
O atraso era de 2,13 anos para as meninas com idade entre 5 e 14 anos e 2,96 anos para as jovens com idade entre 15 e 19 anos. O atraso escolar era evidentemente menor nas classes de renda mais abastadas (Gráfico 7).
Como evidenciou o estudo “O saneamento e a vida da mulher brasileira”, na página 60: “Se for dado acesso aos serviços de saneamento a uma estudante que hoje não tem esses serviços, espera-se uma redução de até 25,6% em seu atraso escolar”.
Desempenho escolar
Para analisar a questão do desempenho escolar, o estudo sobre as meninas brasileiras analisou os resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2019. Nessa análise, foram empregados os resultados nas provas do ENEM no universo de 1,649 milhão de mulheres que: (i) concluíram o exame e pontuaram em todas as provas; (ii) não estavam inscritos como “treineiras”; e (iii) tinham idade entre 15 e 29 anos.
O acesso ao saneamento figurou como uma variável determinante do desempenho. Considerando apenas a população feminina, todas as médias das mulheres que residiam em moradias sem banheiro de uso exclusivo ficaram abaixo das médias das mulheres que moravam em domicílios com banheiro (Gráfico 8). As maiores diferenças ocorreram na redação (-73,3 pontos) e na prova de matemática (-64,6 pontos).
Gráfico 6. População de meninas estudando, por nível de instrução, 2019
Gráfico 7. Atraso escolar da população de meninas, por decil da distribuição de renda familiar per capita, em anos, 2019
Gráfico 8. Desempenho no ENEM da população de meninas, por prova e condição de saneamento, 2019
5. SITUAÇÃO DO SANEAMENTO
Horas desperdiçadas
Tomando por base os dados da PNS, estima-se que houve 80,684 milhões de casos de afastamento por doenças de veiculação hídrica ou por doenças respiratórias em 2019, o que significou 368,908 milhões de dias de afastamento de mulheres de suas atividades rotineiras em razão dessas doenças. Ao total, estima-se que foram 8,854 bilhões de horas de afastamento, sendo 32,3% entre as meninas até 19 anos de idade. O Gráfico 9 traz as horas perdidas por menina para cada faixa etária: as meninas de 0 a 4 anos foram as que perderam mais horas, 196,5 horas por ano em média.
O que foi perdido
Do total de 2,858 bilhões de horas de afastamento das meninas até 19 anos, 82,7% se concentraram nas atividades de alimentação, higiene pessoal, compras, prática de esportes e entretenimento ou simplesmente com o descanso (incluindo o tempo de sono), o que comprometeu o bem-estar da população jovem feminina que era obtido com essas atividades (Gráfico 10).
Além disso, foram comprometidos 361,144 milhões de horas de estudo com os afastamentos por doenças respiratórias e de veiculação hídrica e 134,559 milhões de horas de atividades laborais, remuneradas ou não, das meninas brasileiras. Esses valores corresponderam a respectivamente 12,6 e 4,7% do total de horas de afastamento associados à falta de saneamento.
Redução dos afastamentos com a universalização
Se o acesso ao saneamento fosse universal, as meninas brasileiras deixariam de desperdiçar parte dessas horas de afastamento de suas atividades rotineiras causadas por doenças respiratórias e de veiculação hídrica.
Com base nos modelos estatísticos desenvolvidos no estudo, estima-se que o total de horas de afastamento em razão das doenças associadas à falta de saneamento cairia de 2,858 bilhões por ano para 2,322 bilhões por ano. Isso indica a redução potencial de 563,6 milhões de horas desperdiçadas com esses problemas de saúde.
A redução do desperdício se traduz em ganhos de bem-estar para as meninas brasileiras: seriam 24,755 milhões de horas de trabalho, 66,318 milhões de horas de estudo e 445,531 milhões de horas de descanso, lazer e desenvolvimento de atividades pessoais (Gráfico 11).