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O acesso à água tratada e ao serviço de esgotamento sanitário é um direito humano

reconhecido há anos pelas Nações Unidas. Esse assunto ganhou peso quando a questão da igualdade de gênero foi debatida conjuntamente com o tema do saneamento. A 33ª Sessão da Assembleia Geral do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, realizada no dia 27 de julho de 2016, tratou especificamente disso. Segundo o brasileiro Léo Heller, relator especial das Nações Unidas, a igualdade de gênero é um princípio fundamental dos direitos humanos que nem sempre tem sido respeitado nas políticas de desenvolvimento urbano.

As desigualdades de gênero ocorrem em todos os estágios da vida da mulher, desde a sua infância até a sua velhice. Por isso é tão importante dar atenção às necessidades especiais das mulheres em relação ao direito à água e ao esgotamento sanitário nas diferentes fases de sua vida. É fundamental observar que a desigualdade de gênero no acesso aos serviços de água e de coleta de esgoto afeta também outros direitos humanos, como o direito das mulheres a saúde, segurança, moradia adequada, educação e alimentação. Essa desigualdade está na base do conceito de pobreza menstrual, que é definida como a falta de condições materiais e sanitárias para a realização da higiene pessoal durante o período menstrual.

 
 
 

A igualdade das políticas públicas requer que se considerem as necessidades materiais e estratégicas das mulheres.

 
 
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Isso inclui tanto as necessidades práticas das mulheres (o cuidado com a higiene menstrual) como os costumes e os estereótipos entre os gêneros. Devido ao papel desempenhado pela mulher nas atividades domésticas e nos cuidados com pessoas, a falta de água afeta de maneira mais intensa a vida das mulheres do que a dos homens. O relatório das Nações Unidas (2016) ressalta o fato de que as mulheres desempenham trabalhos não remunerados (domésticos e de cuidados) três vezes mais do que os homens. Assim, como cuidadoras, as mulheres são mais afetadas quando membros da família adoecem como resultado da inadequação do acesso à água, ao esgotamento sanitário e à higiene. Também devido a esse papel, as mulheres estão em maior contato físico com a água contaminada e com dejetos humanos quando a infraestrutura de saneamento é imprópria. 

O presente estudo analisa, de vários pontos de vista complementares, a questão da mulher e o saneamento no Brasil. Primeiramente, são traçados os perfis da mulher brasileira contemporânea segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Continuada de 2019 (PNADC). A identificação desses perfis não só auxilia no entendimento da mulher brasileira como também permite capturar a heterogeneidade que há dentro desse grupo populacional - uma recomendação, inclusive, da abordagem proposta no relatório das Nações Unidas. Esse enfoque permite identificar as minorias mais vulneráveis e averiguar suas condições específicas de saneamento, saúde e inserção no mercado de trabalho dos tipos de mulheres brasileiras.

Na sequência, o Capítulo 2 investiga o acesso das mulheres brasileiras aos equipamentos de saneamento básico. Identifica-se a existência de déficits ainda elevados. Cerca de 2,5 milhões de mulheres ainda viviam em moradias sem banheiro de uso exclusivo em 2019. No mesmo ano, mais de 15 milhões de brasileiras ainda não recebiam água tratada em suas residências e havia 12 milhões de mulheres que tinham acesso à rede geral de distribuição de água, mas a frequência de entrega da água era insatisfatória. O contingente de mulheres que residiam em moradias sem coleta de esgoto alcançou a cifra de 26,9 milhões. Isso significa que uma em cada quatro mulheres brasileiras ainda vivia em situação precária do ponto de vista do acesso ao saneamento básico.

 
 

Essas condições são analisadas em termos regionais e para os grupos etários, de autodeclaração de raça, de nível de instrução educacional e de classe econômica, o que permite identificar os déficits de forma mais precisa.

 
 

O Capítulo 3 do estudo investiga como as carências de saneamento comprometeram a saúde das mulheres brasileiras e tiveram desdobramentos em sua vida. A falta de saneamento levou à ocorrência de doenças de veiculação hídricas, que, a depender da gravidade, ocasionaram o afastamento das mulheres de suas atividades rotineiras, o acamamento ou a internação. Em casos extremos, essas infecções associadas à falta de saneamento levaram à morte. Também nesse capítulo é analisada a influência da falta de saneamento, principalmente a falta de água tratada, na ocorrência de doenças respiratórias entre as mulheres. O capítulo aborda, por fim, a questão da pobreza menstrual, que é diretamente agravada pela falta de saneamento, e seu impacto sobre a incidência de doenças ginecológicas.

Essas análises estão baseadas em dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2019, que identificou a ocorrência de 80,684 milhões de casos de afastamento de mulheres por doenças respiratórias ou de veiculação hídrica de suas atividades rotineiras. Desse total, 32,521 milhões de mulheres ficaram acamadas em razão das infecções. Segundo dados do Sistema Único de Saúde, foram registradas 458,9 mil internações de mulheres na rede e quase 30,9 mil óbitos em razão de infecções gastrointestinais associadas à falta de saneamento. Evidenciou-se que os afastamentos em razão de doenças ginecológicas (6,267 milhões de casos em 2019) foram ocasionados pelas más condições de saneamento nas residências da população feminina.

A ocorrência dessas três categorias de doença não só afeta a produtividade das mulheres em suas atividades econômicas, com o comprometimento de sua renda, como também ocasiona a diminuição de seu potencial de desempenho nos estudos. Para entender e mensurar esses fenômenos, o Capítulo 4 deste estudo trata as informações de educação e de mercado de trabalho da PNADC de 2019 e os dados do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) daquele ano. As análises identificam o saneamento básico entre os fatores determinantes em relação a atraso escolar, desempenho nos estudos e remuneração das mulheres no Brasil.

Por fim, o estudo aborda como a carência de saneamento afeta diretamente a vida das mulheres no que diz respeito à forma como elas organizam o seu tempo entre as inúmeras atividades e como a falta de acesso ao saneamento limita seu potencial de renda em termos de economia. Em sentido amplo, o capítulo final do estudo avalia como a carência de saneamento básico limita o bem-estar das mulheres, comprometendo sua saúde, sua educação e suas atividades domésticas e econômicas. São apresentadas as estimativas de horas, das mulheres brasileiras, desperdiçadas em razão das doenças gastrointestinais e, no caso das mulheres ocupadas em atividades econômicas, a renda que deixaram de auferir em razão das doenças associadas à falta de saneamento. A seção final aborda a questão da pobreza menstrual e sua relação com o saneamento, evidenciando que a falta de acesso aos serviços básicos pressiona as despesas com produtos de higiene pessoal, o que agrava o problema da pobreza menstrual.

Vistas de outro ângulo, essas estimativas também quantificam os ganhos potenciais de bem-estar que poderiam ser obtidos com o avanço do saneamento, ou seja, indicam o aumento de renda e a maior disponibilidade de horas de descanso ou lazer que as brasileiras teriam caso o acesso ao saneamento fosse universal no país. Além de aumentar o número de horas que podem ser despendidas em descanso, lazer, trabalho e educação, a universalização afetaria de forma decisiva a produtividade e a renda, possibilitando que um número elevado de mulheres deixasse a condição de pobreza.

Nesta edição do estudo Mulheres & Saneamento trazemos também um recorte sobre a situação das meninas brasileiras, com idade até 19 anos, e sua relação com o saneamento.

 
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